segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Crónica da depressão


Aqui o tempo parece que voa. Não funciona como em Portugal. Em Portugal o tempo passa vagarosamente porque as pessoas também são mais vagarosas e o clima assim o exige. Aqui o mundo parece que gira mais depressa. Está tanto frio que as pessoas movem-se para o combater. Aqui apresso-me com os restantes, corro pela minha vida e faço horários demasiadamente pormenorizados. 9:00 sair de casa, 9:30 chegar ao trabalho; tenho meia hora para mudar de roupa, fumar e tomar café. Às 10 começo e a partir daí tudo se rege por curtos intervalos de minutos em que nunca tenho nenhum para mim.
Com a rapidez do tempo a passar nem dou por estar fora de casa, fora do meu país. Fica mais fácil magoar as pessoas que nos sentem a falta em casa. Passo dias a fio aqui sem grande comunicação interpessoal. A minha comunicação é maioritariamente intrapessoal. As pessoas, até as que me são mais, ocupam tempo e ninguém leva a mal se falhamos um encontro porque lutamos todos com o mesmo problema, o de tentar encaixar as nossas vidas nas dos outros.
Até as relações se deselvolvem de forma diferente devido a esta insistente premissa, o nosso tempo é limitado. Acabamos por não nos relacionarmos tão intensamente com os outros porque sabemos que rapidamente vai acabar. Agora estamos neste caminho comum mas daqui a um ano ou dois tanto um como o outro pode já se ter vaporizado para outro sítio. São laços temporários, apenas formados para o conforto presente.
Tenho uma amiga aqui que ainda ontem, sobre uma pint e um cigarro, chegava a esta conclusão. Olhava-me nos olhos tristes e dizia:
 - É tão fácil para eles, para os que ficam sempre no mesmo país. Porque eles sabem onde vão estar. Podem fazer planos com alguém, sonhar com o futuro...
Ela é holandesa e vive há já um ano com o namorado de nacionalidade brasileira. Ambos sabem que, mais cedo ou mais tarde, os seus caminhos vão-se separar e nesse cruzamento ficam eles. Não pensam no futuro, fingem que tal coisa não existe.
Era o que também eu fiz todo o ano passado, com a minha pessoa a acabar o curso e a voltar para casa. Quando ele foi eu não estava minimamente preparada. Por ter evitado pensar durante tanto tempo parecia que tinha caído num vácuo, num poço sem fundo. Mas isto é o normal, concluo. As pessoas vêm pra Cambridge me busca de uma melhor educação. Depois disso, por norma três anos de uma vida, viram costas e deixam tudo isto, a sua vida aqui, as pessoas que tocaram no processo, para trás.
Há aqueles que, contudo, fazem precisamente o contrário. Têm pessoas em casa e olham para o futuro desejando que o tempo passe. Para esses Cambridge é um limbo (mas no fim é para todos nós, um limbo mais ou menos feliz). É um momento terrível da vida em que estão aqui, estão presos, separados de quem amam em nome de um bem maior, de uma vida melhor. Presos no futuro. Muitos vêm as suas relações colapsar perante os seus olhos, dolorosamente. É difícil manter uma relação à distância mesmo quando a confiança é muita e a internet coopera. Usemos o exemplo da Alice e do Miguel .
A Alice e o Miguel são espanhóis, ambos originários dos arredores de Barcelona. Estão juntos há mais de um ano. A Alice veio para Cambridge para perseguir o seu sonho de ser biológa marinha sabendo que aqui teria muito mais oportunidades do que num país a declinar. O Miguel para Edinburgo estudar Filosofia. Vêm-se frequentemente, duas ou três vezes por periodo escolar mas não lhes é suficiente. O seu sonho é comum, é uma casa em frente ao mar e uma menina chamada Diana. Mas esse sonho não tem data de concretização. Tanto quanto a Diana sabe a sua carreira de eleição pode fazê-la correr mundo durante mais uma década e o Miguel tem, pelo menos, mais quatro anos até completar o seu curso. A cada dia que passa vejo-os mais frustrados, mais cansados e as discussões multiplicam-se. Deixou de ser o que era, eles próprios o afirmam...
Qual é a solução então? Qualquer um de nós tem que viver Cambridge como um limbo até aqueles que não estão presos a lado algum (é difícil dizer onde iremos a seguir). Chegar, organizar, viver três anos, respirar, partir e esquecer. Nada é permanente aqui (parte-me o coração saber isto).
Daqui a um ano e meio, apenas um ano e meio é a minha vez de ir e não voltar, não olhar para trás. Eu e todos com quem me cruzei neste percurso. Nenhum resistirá ao tempo e à distância. É uma nova oportunidade, uma nova construção, uma nova pessoa. E quando dermos por nós já nem nos lembraremos dos nomes das pessoas com quem, durante três anos chorámos, rímos, nos divertimos e com quem fomos presos. Já não vamos saber em que festa é que a Jelena perdeu os jeans ou em que club eu caí das escadas. Já não nos vamos lembrar dos dias de sol nem das noites de bebedeira no jardim de alguém. É pena mas é algo que deve ser aceite e mantido presente. É a verdade.

P.S: No tempo entre a escrita desta crónica e a sua publicação a Alice e o Miguel decidiram seguir os seus caminhos individuais. O rancor que se formou entre eles passou a ser tanto que deixaram de se amar. É um tanto ou quanto triste.

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