Aqui o tempo parece que
voa. Não funciona como em Portugal. Em Portugal o tempo passa
vagarosamente porque as pessoas também são mais vagarosas e o clima
assim o exige. Aqui o mundo parece que gira mais depressa. Está
tanto frio que as pessoas movem-se para o combater. Aqui apresso-me
com os restantes, corro pela minha vida e faço horários
demasiadamente pormenorizados. 9:00 sair de casa, 9:30 chegar ao
trabalho; tenho meia hora para mudar de roupa, fumar e tomar café.
Às 10 começo e a partir daí tudo se rege por curtos intervalos de
minutos em que nunca tenho nenhum para mim.
Com a rapidez do tempo
a passar nem dou por estar fora de casa, fora do meu país. Fica
mais fácil magoar as pessoas que nos sentem a falta em casa. Passo
dias a fio aqui sem grande comunicação interpessoal. A minha
comunicação é maioritariamente intrapessoal. As pessoas, até as
que me são mais, ocupam tempo e ninguém leva a mal se falhamos um
encontro porque lutamos todos com o mesmo problema, o de tentar
encaixar as nossas vidas nas dos outros.
Até as relações se
deselvolvem de forma diferente devido a esta insistente premissa, o
nosso tempo é limitado. Acabamos por não nos relacionarmos tão
intensamente com os outros porque sabemos que rapidamente vai acabar.
Agora estamos neste caminho comum mas daqui a um ano ou dois tanto um
como o outro pode já se ter vaporizado para outro sítio. São laços
temporários, apenas formados para o conforto presente.
Tenho uma amiga aqui
que ainda ontem, sobre uma pint e um cigarro, chegava a esta
conclusão. Olhava-me nos olhos tristes e dizia:
- É tão fácil
para eles, para os que ficam sempre no mesmo país. Porque eles
sabem onde vão estar. Podem fazer planos com alguém, sonhar com o
futuro...
Ela é holandesa e vive
há já um ano com o namorado de nacionalidade brasileira. Ambos
sabem que, mais cedo ou mais tarde, os seus caminhos vão-se separar
e nesse cruzamento ficam eles. Não pensam no futuro, fingem que tal
coisa não existe.
Era o que também eu
fiz todo o ano passado, com a minha pessoa a acabar o curso e a
voltar para casa. Quando ele foi eu não estava minimamente
preparada. Por ter evitado pensar durante tanto tempo parecia que
tinha caído num vácuo, num poço sem fundo. Mas isto é o normal,
concluo. As pessoas vêm pra Cambridge me busca de uma melhor
educação. Depois disso, por norma três anos de uma vida, viram
costas e deixam tudo isto, a sua vida aqui, as pessoas que tocaram no
processo, para trás.
Há aqueles que,
contudo, fazem precisamente o contrário. Têm pessoas em casa e
olham para o futuro desejando que o tempo passe. Para esses Cambridge é um limbo (mas no fim é para todos nós, um limbo mais ou menos
feliz). É um momento terrível da vida em que estão aqui, estão
presos, separados de quem amam em nome de um bem maior, de uma vida
melhor. Presos no futuro. Muitos vêm as suas relações colapsar
perante os seus olhos, dolorosamente. É difícil manter uma relação
à distância mesmo quando a confiança é muita e a internet
coopera. Usemos o exemplo da Alice e do Miguel .
A Alice e o Miguel são
espanhóis, ambos originários dos arredores de Barcelona. Estão
juntos há mais de um ano. A Alice veio para Cambridge para perseguir
o seu sonho de ser biológa marinha sabendo que aqui teria muito mais
oportunidades do que num país a declinar. O Miguel para Edinburgo
estudar Filosofia. Vêm-se frequentemente, duas ou três vezes por
periodo escolar mas não lhes é suficiente. O seu sonho é comum, é
uma casa em frente ao mar e uma menina chamada Diana. Mas esse sonho
não tem data de concretização. Tanto quanto a Diana sabe a sua
carreira de eleição pode fazê-la correr mundo durante mais uma
década e o Miguel tem, pelo menos, mais quatro anos até completar o
seu curso. A cada dia que passa vejo-os mais frustrados, mais
cansados e as discussões multiplicam-se. Deixou de ser o que era,
eles próprios o afirmam...
Qual é a solução
então? Qualquer um de nós tem que viver Cambridge como um limbo até
aqueles que não estão presos a lado algum (é difícil dizer onde
iremos a seguir). Chegar, organizar, viver três anos, respirar,
partir e esquecer. Nada é permanente aqui (parte-me o coração
saber isto).
Daqui a um
ano e meio, apenas um ano e meio é a minha vez de ir e não voltar,
não olhar para trás. Eu e todos com quem me cruzei neste percurso.
Nenhum resistirá ao tempo e à distância. É uma nova oportunidade,
uma nova construção, uma nova pessoa. E quando dermos por nós já
nem nos lembraremos dos nomes das pessoas com quem, durante três
anos chorámos, rímos, nos divertimos e com quem fomos presos. Já
não vamos saber em que festa é que a Jelena perdeu os jeans ou em
que club eu caí das escadas. Já não nos vamos lembrar dos dias de
sol nem das noites de bebedeira no jardim de alguém. É pena mas é
algo que deve ser aceite e mantido presente. É a verdade.
P.S: No
tempo entre a escrita desta crónica e a sua publicação a Alice e o
Miguel decidiram seguir os seus caminhos individuais. O rancor que se
formou entre eles passou a ser tanto que deixaram de se amar. É um
tanto ou quanto triste.
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